Vítimas da informação

Como os crimes de agressão e assassinato de jornalistas refletem no exercício da profissão no Brasil

Laura Molinari
4 min readNov 25, 2020

Em 2020, o Brasil subiu para oitavo no ranking global de impunidade pelo homicídio de jornalistas, segundo o índice do Comitê para Proteção de Jornalistas (CPJ) divulgado em outubro. Em 2019, o país estava em nono na lista.

O assassinato de jornalistas é um crime que pretende impor limites ao que pode ou não ser dito, comprometendo a liberdade de imprensa e a autonomia de quem trabalha para informar a população. A não responsabilização de culpados também contribui para perpetuar e incentivar esse tipo de violência.

Mas o homicídio não é um fato isolado, e sim o estopim para uma série de violações aos direitos desses profissionais, que sofrem agressões e ameaças em frequência crescente.

“Ele entrou na minha casa e me agrediu, agrediu minha esposa”

A Polícia Civil do município de Itarema, no norte do Ceará, investiga agressões contra o radialista Airton Alves Júnior e sua família, ocorridas no último 21 de outubro. Airton Júnior estava deitado em sua cama quando dois homens invadiram a sua casa e o espancaram.

O radialista afirma que o crime tem motivações políticas, e teria ocorrido após ele questionar, no portal de notícias que administra, um possível acúmulo de cargos públicos por Rosa Monteiro, irmã do prefeito de Itarema. Airton diz conhecer os seus agressores: Edson Rios Filho, marido de Rosa, e Dion Veras, amigo do casal.

Não é a primeira vez que Airton diz sofrer ameaças por exercer sua profissão. “Em 2008, eu fui agredido também por um comparsa do prefeito na época, que é irmão do atual, por combater as oligarquias e os ataques aos servidores públicos. Aqui, nós vivemos em uma terra que quem comanda é o coronelismo, e é muito difícil de combater tudo isso”.

A investigação sobre o caso ainda está em curso e o clima de insegurança não impediu o jornalista de seguir trabalhando. Em 3 de novembro, o Ministério Público do Estado do Ceará devolveu o inquérito à delegacia de Itarema, exigindo novas investigações.

Dos que se foram, resta a preservação de suas histórias

Nem todos os jornalistas ameaçados continuam aqui para contar as suas próprias histórias. Desde 1994, ao menos 40 profissionais foram assassinados no Brasil, segundo o Comitê para Proteção Jornalistas.

Uma iniciativa que tem por missão elucidar alguns desses casos é o Programa Tim Lopes, criado pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). O programa pretende visibilizar casos de assassinato de jornalistas e comunicadores brasileiros por exercerem a profissão.

Angelina Nunes, coordenadora do Programa Tim Lopes, identifica que, apesar de não haver um padrão, há semelhanças entre as situações investigadas pela Abraji. Muitas das vítimas, por exemplo, atuavam em municípios pequenos, em veículos como rádios comunitárias ou portais gerenciados por poucas mãos.

“A gente está falando de lugares longe da metrópole em que as instituições são mais frágeis. São lugares que nem sempre têm delegacia, o fórum fica na cidade vizinha, e isso acaba dando uma sensação de impunidade”. Segundo Angelina Nunes, muitas dessas vítimas adotavam uma postura combativa aos problemas locais, sobretudo irregularidades da administração pública do município.

Por isso, é comum existir um pano de fundo político nas disputas. E há também uma vulnerabilidade maior porque, no interior, as discussões tendem a ser mais acaloradas. “Resolver uma discussão na bala e na faca acaba sendo comum, infelizmente”, explica a jornalista.

Outras situações também envolvem o combate ao crime organizado, como aconteceu em 2002 com o repórter da Globo Tim Lopes, torturado e morto por traficantes na favela Vila Cruzeiro no Rio de Janeiro, hoje homenageado pelo programa investigativo da Abraji.

Medo e cautela regulam a cobertura nacional

A violência e a impunidade resultam em cautela no exercício da profissão, e isso não se resume aos microcosmos do Brasil profundo. Isso corresponde também à forma como o jornalismo opera em escala nacional, nos protocolos dos grandes veículos e emissoras.

“Depois do caso Tim Lopes muita coisa foi revista”, conta Mário Cajé, editor do programa Sem Fronteiras da GloboNews. “Foi um marco que chocou a opinião pública e que teve consequências. Hoje em dia, você não vê mais repórteres indo a certos lugares e isso, claro, compromete a cobertura.”

Cajé acredita que uma forma de reduzir esses embates seria adotando protocolos mais consistentes, como a contratação de uma equipe que avalie as questões de segurança antes de mandar uma equipe de reportagem a campo.

Além disso, é preciso que o repórter esteja preparado. Angelina Nunes, jornalista com três décadas de experiência, adota uma série de medidas de segurança quando vai investigar casos para o programa Tim Lopes nas cidades onde os crimes ocorreram.

“Eu tenho que estar muito focada e tenho que ter feito uma pré-produção pra não perder tempo. A gente está no lugar que aconteceu o crime, e é claro que podemos virar alvo também”. A apuração é essencial para que, ao chegar no local, ela já saiba quem entrevistar, quais documentos acessar, com o máximo de objetividade e sem deixar muitos rastros durante a investigação. Outros protocolos também são importantes, como a comunicação com autoridades estaduais, a polícia local, organizações e outras entidades.

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